Carta resposta ao professor Taba
São Paulo, 10 de novembro de 2010.
Prezado Prof. Taba,
Mesmo tendo ciência do seu pedido para que não respondesse sua carta, senti-me na obrigação de fazê-lo, até por uma questão de respeito com o senhor e com a atual diretoria do campus São Paulo. Isto se deve a vários motivos, mas o principal deles é para esclarecer alguns fatos que julgo relevantes de serem respondidos, não pra tentar criar aqui uma polêmica, mas justamente para que conheçam as nossas posições e não fiquem achando que o movimento que ora se desencadeia é direcionado especificamente para uma determinada pessoa, no caso o Prof. Vieira.
Em primeiro lugar porque o atual diretor foi democraticamente eleito, inclusive, contando com o apoio de uma parcela significativa de estudantes, muitos dos quais estavam presentes no recente protesto. Durante toda a manifestação, em momento algum se questionou a legitimidade do Prof. Vieira, e sequer cogitou-se qualquer tentativa de deposição ou coisa parecida. Apenas para deixar claro este assunto, não queremos, e não iremos admitir que se questione a legitimidade do processo eleitoral, e nós alunos, seremos contra qualquer tipo de movimentação no sentido de desestabilizar a atual diretoria. Quanto a isso, o senhor pode ficar absolutamente tranqüilo, pois terão todo o nosso apoio, uma vez que a atual diretoria foi democraticamente eleita pela vontade soberana de professores, funcionários e alunos.
Sabemos, no entanto, que, nas palavras do próprio prof. Vieira, o processo eleitoral do IFSP ainda não terminou, e que existe uma intensa briga política, onde os grupos rivais, que não se conformaram com a perda da eleição, agora tentarão se aproveitar dos acontecimentos para tirar partido da situação e obter dividendos políticos. Entretanto, o combate a essa postura rasteira e tacanha é justamente uma de nossas bandeiras de luta, e convidamos a todos que pensam da mesma forma a se juntarem a nós no sentido de engrandecer o debate político de forma aberta e democrática dentro do IFSP.
Prosseguindo, é importante esclarecer também que, de maneira alguma, somos contra a atual administração, e caso exista tal boato, trata-se de algo falacioso, pois isso sequer foi discutido entre os alunos coletivamente. Porém, somos contra, sim, os atos e desmandos praticados pela atual administração que representam a continuidade de práticas grotescas e autoritárias que vigoram historicamente aqui dentro do IFSP. Não é novidade, nem para o senhor, nem para ninguém que convive dentro do IFSP, o fato de que há muito tempo existe uma tensão permanente entre o corpo discente e a organização escolar, que se manifesta mais claramente quando envolve o abuso de autoridade por parte de alguns funcionários que têm contato mais direto com os alunos, mas que sabemos, não se limita a eles, pois também já foram relatados outros casos por causa de conduta inapropriada de professores e também de membros da alta direção. Talvez o grande equívoco da atual administração e das anteriores tenha sido o fato de não se darem conta do quanto este problema era assim tão latente.
É importante que o senhor fique ciente que, desde o dia 03 de novembro, quando o primeiro manifesto foi divulgado, dezenas de pessoas nos procuraram para manifestar a sua solidariedade ou então para relatar acontecimentos que testemunharam ou vivenciaram pessoalmente, semelhantes aos da aluna Mariana. Muitas dessas pessoas, e outras mais, também relatam que evitam qualquer tipo de confronto com funcionários e professores por se sentirem coagidas e com medo de serem perseguidas e prejudicadas na sua formação. Em todo o caso, o senhor não precisa confiar no que eu digo, faça a sua própria avaliação. Procure os alunos e forme o seu próprio juízo a respeito. Mas reitero a afirmação: muitas pessoas dentro do campus São Paulo têm medo de sofrer represálias por conta de suas atitudes. Este fato por si só, já nos dá uma dimensão muito apropriada do problema que enfrentamos atualmente.
Estaríamos sendo levianos aqui, caso atribuíssemos toda a responsabilidade dos acontecimentos à atual diretoria. Sabemos que toda essa problemática precede esta administração, que é uma herança entranhada em praticamente toda a estrutura do IFSP, e que qualquer mudança exigirá um longo processo de adaptação. A própria sociologia nos ensina o quão difícil é lidar com essas mudanças, pois sabemos muito bem que os casos ocorridos dentro do IFSP não diferem muito do que nos acostumamos a ver de forma até banal, em toda a nossa sociedade, desde a polícia militar até o síndico de nosso prédio, passando por juízes e promotores. Se, por mero acaso, a bomba estourou na mão da atual administração, é porque a leitura que a comunidade discente fez dos acontecimentos significou um processo de continuidade, e neste ponto, acredito que a atual diretoria terá que rever algumas de suas atitudes, sob pena de perder todo o apoio e confiança depositados pelos alunos até o momento.
Acredito sinceramente que a primeira providência para a resolução satisfatória de um problema é justamente admitirmos a sua existência. Sem isso é impossível prosseguir, e, ao que parece, tanto a atual administração quanto as anteriores, não queriam ou não tinham condições de enxergar o que estava acontecendo. Foi preciso que acontecesse algo extremo para que as coisas passassem a fazer algum sentido. O lado positivo de toda essa história, é que a partir de agora podemos, de forma franca e sincera debater este assunto e da maneira como ele deve ser encarado: sem hipocrisia e sem dissimulações.
Neste ponto, é importante ressaltar aqui que o ato em si quase não se realizou por conta de comentários lançados pela própria diretoria, que tentou colocar em dúvida a conduta dos alunos envolvidos. A atitude que eu presenciei pessoalmente na sala da diretoria não difere muito do que nos acostumamos a assistir em propagandas eleitorais, onde uma dúvida é lançada no ar com o intuito de abalar a credibilidade pessoal do adversário e assim desviar o foco dos acontecimentos que de fato ocorreram. Foi o que fez a diretoria ao insinuar levianamente o fato da aluna envolvida possuir uma irmã gêmea, e colocar em dúvida se o que de fato aconteceu foi com ela ou com a irmã, como se isso minimizasse o ocorrido.
Concordo com o senhor quando menciona a dificuldade em se sair da zona de conforto e tomar medidas impopulares. Talvez tenha sido isto o que nos prontificamos a fazer ao nos manifestar: sair da nossa zona de conforto e desagradar a alguns. E o aparato de segurança que pudemos observar durante a manifestação, bem como algumas declarações informais com integrantes da diretoria após a manifestação, não deixam dúvidas do quanto tivemos que nos afastar da zona de conforto e penetrar em um território cheio de artimanhas e obstáculos.
Acredito que, se a atual diretoria fizer uma leitura cuidadosa dos acontecimentos, irá verificar que as reivindicações discentes são mais do que pertinentes, e digo mais, muito fáceis de serem atendidas, pois não demandam grandes investimentos, uma vez que concentram-se na sua maioria em processos de gestão de pessoas. Porém, é necessário vontade política e disposição para ouvir e construir novos acordos.
Confesso ao senhor que quando entrei na parte do texto que alerta para o fato dos alunos refletirem se não estão sendo manipulados, fiquei realmente preocupado. Isto porque, num acesso de pós-modernidade, pensei que o alerta feito pelo senhor também não deixa de ser uma forma de manipulação, uma vez que, da forma como foi colocada, pode novamente lançar dúvidas a respeito das legítimas intenções das pessoas envolvidas, sugerindo má-fé, superficialidade de propostas ou coisa parecida. Acredito plenamente nas suas boas intenções ao escrever esta carta e tenho certeza de que isso sequer passou pela sua cabeça, mas lançar este tipo de especulação é realmente um terreno complicado de se pisar, tanto de um lado como de outro, pois, se todo discurso induz a alguma coisa, o correto seria não ter discurso algum? Isso nos levaria a uma situação muito “cômoda”, não acha? Por mais imperfeito que seja, ainda assim prefiro optar para que todos emitam a sua opinião, e daí possamos construir algo consistente, mesmo que isso desagrade a alguns grupos que não aceitam dividir os seus privilégios.
Por falar em manipulação, creio que podemos também classificar como manipulação as tentativas de alguns funcionários em produzir uma divisão entre os alunos, divulgando pessoalmente informações inverídicas a respeito de que alguns cursos iriam boicotar a manifestação, ou então, que existe uma divisão entre os cursos. E tudo isto a troco de quê? Quais temores impedem a livre organização de alunos? Que tipo de conspiração querem impedir? Creio que neste aspecto exista uma incoerência enorme entre aquilo que se fala e a forma como se está agindo, ou seja, o fato de pessoas não praticarem o discurso presente em suas próprias idéias, é, no meu entendimento, muito grave.
Quanto a não se deixar levar pelo discurso e pela oratória de alguns, quero dizer que endosso totalmente a questão, e democraticamente estendo isso também ao discurso oficial, pois me parece egoísta de nossa parte que o corpo discente assuma toda esta responsabilidade para si a respeito desta questão.
Me tranqüiliza muito saber o quanto reverencia o seu passado, e também, saber o quanto ele ainda é importante no sentido de suas aspirações atuais. Apesar de não lhe conhecer pessoalmente, quero que saiba que tem todo o meu respeito e admiração, e isso estende-se a toda a diretoria do campus São Paulo. Não deve perder o seu tempo imaginando que uma reivindicação discente é necessariamente uma atitude de afronta aos dirigentes, porque isso não condiz com a realidade que estamos vivenciando. Em manifestações, não é raro acontecer que as pessoas se excedam, e isso é complicado de lidar, principalmente quando se trata de grandes grupos. Apesar de tudo, isso não nos torna inimigos. Ao contrário, toda essa manifestação vai de encontro àquilo que o senhor coloca claramente no inicio de sua carta: que espera uma parceria para construir um futuro melhor. Em nenhum momento cogitou-se a hipótese de enfrentamento à atual diretoria, mas sim às regras e regimentos do IF, os quais todos queremos aperfeiçoar.
Porém, o que de fato me parece é que precisamos aprender a lidar com a diversidade existente dentro e fora do campus São Paulo, e quanto mais cedo olharmos para isto, melhor, pois estamos ainda muito longe deste objetivo enquanto sociedade. Reconheço que existem avanços, a começar pelo Projeto Político Pedagógico elaborado pela reitoria, que, na sua última versão, passou a abordar temas cruciais como a questão da pesquisa e da extensão, praticamente inexistentes até então. Se este projeto ainda está aquém de nossas aspirações, ao menos é um caminho que pode ser seguido ou modificado ao longo do seu curso. No entanto, será necessário abrir mão do paternalismo e da visão tutelar que ainda impera dentro de nosso instituto, em praticamente todas as instâncias.
Durante este processo, fomos sumariamente alertados pelo fato de não termos procurado a diretoria para debater as questões antes da manifestação, assim como de estar fazendo um movimento sem legitimidade, ou, pelo menos, suspeito de tal. Mas, o que dizer da falta de postura ética com que funcionários, alguns dos quais, pertencentes à diretoria, lidaram com a questão, plantando boatos, disseminando a divisão do corpo discente e promovendo ações para evitar que os alunos se manifestassem livremente?
Antes de tudo, se há alguma lição a tirar deste episódio, é a de que precisamos - alunos, professores e funcionários do IFSP - promover a nossa auto-crítica o mais breve possível e começar a pensar naquilo que realmente queremos para a nossa instituição.
Esta diretoria foi democraticamente eleita com o intuito de conduzir um processo de mudanças, porém, ao que me parece, acontece com ela o mesmo que vem se sucedendo em administrações anteriores, que é o fato dos dirigentes se portarem muito mais como administradores ou economistas do que como educadores e pedagogos. Este é, no meu entendimento, um ponto crucial a ser discutido, pois está de tal forma incutido na mentalidade da instituição que torna muito complicada qualquer tentativa de inovação, porque o que temos hoje na atual administração é apenas o outro lado da mesma coisa. Nada mais, nada menos.
Acredito que tenhamos hoje, uma oportunidade sem precedentes para deixar um legado da nossa criatividade e experiência para as futuras gerações continuarem a construir um instituto sólido e atuante dentro de nossa sociedade, e que abrace o máximo possível de pessoas.
Assim como o senhor, também enxergo dois caminhos:
· imaginar que está tudo bem e que devemos dar andamento ao projeto que está dado atualmente, no sentido de continuar a ser uma peça da engrenagem destinada a produzir e treinar sujeitos dóceis e obedientes, ou;
· realizar um processo efetivo de mudança comportamental, isto é, fazer a diferença, deixar um legado importante, criar um ambiente onde as pessoas se sintam “seguras”, interessadas e motivadas a seguir suas vidas, se educarem e tornarem-se cidadãos do mundo de forma autônoma, crítica e participativa.
Esta seria o tipo de postura que me deixaria orgulhoso e motivado a seguir, apoiar, participar da sua construção, e vestir a camisa, e pelo conheço de meus colegas e professores, tenho certeza de que muitos deles endossariam o que tentei humildemente apresentar aqui.
Muito grato pela sua atenção
Atenciosamente
William Kernbichler
Aluno do quarto semestre da Geografia